quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

ADEUS SOYO






Amanhã termina a minha estadia no Soyo. Cheguei ao Soyo em Março de 2010 para uma viagem que chega ao seu fim. As centenas de canais que serpenteiam o Rio Zaire são testemunha da imensa felicidade que foi passar aqui estes quase quatro anos. Coincidiu este período com o nascimento do meu filho, momento maior da minha vida. Passei pelo pipeline e pelas obras de apoio social: reconstruímos as estradas do Soyo, melhoramos o aeroporto, construímos um hospital e uma escola. Fiz passeios de barco pelo incrível Rio Congo, desde a Ponta do Padrão até à Praia da Sereia, passando pelas ilhas de pescadores, que me receberam e deram, generosamente, do seu peixe para comer. Entrei em canais, perdi-me no mangue imenso, rodeado apenas pelas aves canoras e pelos cacussos lagunares. Não tenho dúvidas em afirmar que a baía de Pangui está muito perto do paraíso. Recordo com emoção a viagem ao Sumba, sempre pela margem do Rio Congo, e as três viagens entre Luanda e o Soyo por via terrestre. A primeira, decisiva, logo em Setembro de 2009. Vi a cara de espanto do policia no primeiro controlo junto à Barra do Dande, quando lhe disse, por volta da meia noite, que iria iniciar sozinho uma viagem até ao Soyo. Outras se seguiram, menos radicais pela picada imensa de 450 quilómetros passando por Ambriz, Nzeto e pelo Quinzau (a terra do elefante). Parei nas tascas à beira da estrada para comer o ginpuko, a paka, gazela, javali e pacaça, as iguarias dum povo que ficou sem a caça que aos poucos regressa. Outros tempos, guerras que ninguém entende mas que deixaram marca. Como os kiowas, povo mártir, que foram dizimados em Tomboco. As chatas passam cheias de congoleses a fronteira invisível do rio caudaloso e anunciam uma invasão silenciosa. O mangue vai desaparecendo pelo crescimento habitacional e demográfico. Os animais fogem pela pressão humana. No mercado há animais selvagens à venda. Nas lavras, cada vez mais distantes, mulheres esforçadas cultivam a ginpinda e a kisaka que hão-de levar ao mercado do Kungu-e-ngele transportadas nas traseiras de pick-ups ou em cima de camiões por vezes descontrolados. O Mpinda está nos locais emblemáticos desta cidade. Porto de saída de barcos negreiros, levando à força os braços que moviam os engenhos de Pernambuco para adoçar o leite aos europeus. A missão católica, com a sua avenida de mangueiras centenárias, apoiando um povo empobrecido, apesar do subsolo esconder riquezas imensas de petróleo e gás. Soyo cidade de breu profundo que ainda aguarda pela chama que nunca mais chega. Aprendi os rudimentos do Kisolongo e tantas vezes ouvi cantar por entre risos incontidos das senhoras vindas da lavra: “mundele kisolongo vovanga”.  Ligaram-se as plataformas offshore à fábrica que se construiu através de vários pipelines e os navios preenchem agora a imensa foz do Rio Congo e levam o Gás Liquefeito do Soyo a todo o mundo. Eu levo do Soyo memórias dum tempo bem passado e no coração o afeto de pessoas que jamais esquecerei.


KOLELE! Lotomasala ki-a-biza.