ADEUS SOYO
Amanhã termina a
minha estadia no Soyo. Cheguei ao Soyo em Março de 2010 para uma viagem que
chega ao seu fim. As centenas de canais que serpenteiam o Rio Zaire são
testemunha da imensa felicidade que foi passar aqui estes quase quatro anos. Coincidiu
este período com o nascimento do meu filho, momento maior da minha vida. Passei
pelo pipeline e pelas obras de apoio
social: reconstruímos as estradas do Soyo, melhoramos o aeroporto, construímos
um hospital e uma escola. Fiz passeios de barco pelo incrível Rio Congo, desde
a Ponta do Padrão até à Praia da Sereia, passando pelas ilhas de pescadores,
que me receberam e deram, generosamente, do seu peixe para comer. Entrei em
canais, perdi-me no mangue imenso, rodeado apenas pelas aves canoras e pelos
cacussos lagunares. Não tenho dúvidas em afirmar que a baía de Pangui está
muito perto do paraíso. Recordo com emoção a viagem ao Sumba, sempre pela
margem do Rio Congo, e as três viagens entre Luanda e o Soyo por via terrestre.
A primeira, decisiva, logo em Setembro de 2009. Vi a cara de espanto do policia
no primeiro controlo junto à Barra do Dande, quando lhe disse, por volta da
meia noite, que iria iniciar sozinho uma viagem até ao Soyo. Outras se
seguiram, menos radicais pela picada imensa de 450 quilómetros passando por
Ambriz, Nzeto e pelo Quinzau (a terra do elefante). Parei nas tascas à beira da
estrada para comer o ginpuko, a paka, gazela, javali e pacaça, as iguarias dum
povo que ficou sem a caça que aos poucos regressa. Outros tempos, guerras que
ninguém entende mas que deixaram marca. Como os kiowas, povo mártir, que foram
dizimados em Tomboco. As chatas passam cheias de congoleses a fronteira
invisível do rio caudaloso e anunciam uma invasão silenciosa. O mangue vai
desaparecendo pelo crescimento habitacional e demográfico. Os animais fogem pela
pressão humana. No mercado há animais selvagens à venda. Nas lavras, cada vez
mais distantes, mulheres esforçadas cultivam a ginpinda e a kisaka que hão-de
levar ao mercado do Kungu-e-ngele transportadas nas traseiras de pick-ups ou em
cima de camiões por vezes descontrolados. O Mpinda está nos locais emblemáticos
desta cidade. Porto de saída de barcos negreiros, levando à força os braços que
moviam os engenhos de Pernambuco para adoçar o leite aos europeus. A missão
católica, com a sua avenida de mangueiras centenárias, apoiando um povo
empobrecido, apesar do subsolo esconder riquezas imensas de petróleo e gás.
Soyo cidade de breu profundo que ainda aguarda pela chama que nunca mais chega.
Aprendi os rudimentos do Kisolongo e tantas vezes ouvi cantar por entre risos
incontidos das senhoras vindas da lavra: “mundele kisolongo vovanga”. Ligaram-se as plataformas offshore à fábrica
que se construiu através de vários pipelines
e os navios preenchem agora a imensa foz do Rio Congo e levam o Gás Liquefeito
do Soyo a todo o mundo. Eu levo do Soyo memórias dum tempo bem passado e no
coração o afeto de pessoas que jamais esquecerei.
KOLELE! Lotomasala ki-a-biza.